04. Les Châteaux de Sable, Argélia

…continuação…

Com a nossa expedição a entrar em contagem decrescente havia ainda um ex libris por descobrir. Os espectaculares planaltos de Brezina.

O caminho mais curto para o nosso regresso seria directo a Béchar junto à fronteira com Marrocos e depois Orão. Mas, mais a Este havia uma zona que ficava relativamente perto e que não podíamos deixar de visitar… Brezina e os seus planaltos! Para lá chegar teríamos que fazer um desvio pela RN6B que segundo a informação de que dispúnhamos era uma estrada fortemente militarizada. Mas pela beleza do local valia bem o esforço de pelo menos tentarmos lá chegar. Assim, saímos de Taghit com a perspectiva de realizarmos 475 kms até Brezina , ver os planaltos, pernoitar e no dia seguinte encaminhar-mo-nos para Orão. Só que este viria a tornar-se o dia do “papa quilómetros”.

A Ver Se Vemos… 

Saímos de Taghit perto das 7h da manhã pela RN6B (uma espécie de circular que contorna o limite das dunas sempre em paralelo com o Oued Zouzfane). Ao quilometro 90 chegámos a um entroncamento e depará-mo-nos com uma base militar fortemente armada. De forma muito calma e ordeira encostámos à berma e uma pequena delegação foi “conferenciar” com os militares a possibilidade de seguirmos para o nosso destino… passada meia hora, sem que realmente percebêssemos o que se estava a passar, ouvimos o –“go! go! go!” tínhamos o “ok” para avançar. Entrámos nos carros e passámos o bloqueio na estrada.

Sem forma de comunicar entre nós, havia um clima de suspense dentro dos carros, parecia estar tudo bem, até que… ao fim de 16 kms, do nada, vemos o jipe dos militares que ia a abrir a coluna fazer inversão do sentido de marcha e a mandar toda a gente fazer o mesmo… Surpreendente e inquietante. Naquele imenso nada onde nos encontrávamos, a única opção válida era obedecer e fazer novamente os 16 kms em sentido contrário. Quando chegámos ao entroncamento onde estava a base militar, nem parámos, pois os militares na estrada davam ordens para seguir para Béchar… e eu cá para mim… “pronto  Brézina  já era…” a explicação foi que este corredor de cerca de 30 kms até à fronteira com Marrocos é uma zona “perigosa” e que estavam apenas a zelar pela nossa segurança… bem, na minha opinião é muito discutível, ainda mais que quando prosseguimos pela RN6, passámos por Beni Ounif que não fica a mais de 7 kms de Figuig em Marrocos.

Com as constantes mudanças de escolta e os tempos de espera, com o novo desvio que implicava um acréscimo de mais 150 kms, as opiniões dividiam-se acerca do interesse de ir ou não a Brezina. Pessoalmente, pelo que tinha visto estava convencido de que sim devíamos ir, mas nem toda a gente partilhava dessa opinião. Pára tudo! Mapa em cima do capot e vamos a decidir!

Foi decidido que apesar do contratempo inicial, mantínhamos o objectivo de ir a Brezina… e eu a fazer as contas às horas… disfarçadamente, dava pulos de contente pois pelas minhas contas íamos chegar à hora mágica para as fotos. O pôr do sol! Eu e o meu optimismo…

Repita lá isso outra vez?? 

Com a lua cheia era possível vislumbrar as silhuetas dos planaltos, mas parar estava fora de questão. O sol já à muito que se tinha posto e acabámos por chegar à vila de Brézina já noite cerrada. A escolta levou-nos até à esquadra da polícia, um beco minúsculo e sujo onde nem cabiam os carros todos, para saber onde poderíamos pernoitar. Surpresa!!! Não nos deram autorização! Era impossível ficarmos ali!! Mesmo com o descontentamento de todo o grupo, não tivemos opção senão fazer mais 90 kms para trás até El Abiodh Sidi Cheikh. E assim os planeados 475 kms acabaram por se converter em quase 700 kms.

El Abiodh Sidi Cheikh é uma cidade sujíssima, com as ruas principais num misto de lama e águas fétidas, o ninho para passarmos a noite era uma vez mais uma espécie de quintal mal amanhado, muito sujo e trancado com um imenso portão de ferro. O cansaço era tanto que comemos, o que havia à mão, de lanterna espetada na testa (umas latas de conserva sobreviventes) e cama. Eu!?.. Bem eu estava mesmo irritado a pensar com os meus botões… “Brézina já era, ninguém vai querer fazer novamente estes 90 e tal kms só para ir ver uns montes de terra.”

A caminho de Brézina. O animo
do grupo era tão colorido quanto a paisagem que nos rodeava…. Cinzento

Brezina – Les Châteaux de Sable

Uma noite de sono faz milagres e o desejo de uns poucos realizou-se. No fim todos ficaram contentes. 

Desenfiá-mo-nos da forma que pudémos do transito de Abiodh Sidi Cheikh que serpenteava por entre um misto de lama, obras inacabadas e poças de água e arrancámos em acelerado pela língua de alcatrão roubada ao deserto rochoso.

Um acidente com um autocarro de passageiros em pleno deserto

Pela terceira vez devorávamos aqueles 90 km que nos separavam de Brezina, mas a luz do dia revelava agora toda aquela beleza de paisagem lunar, plana, sempre plana! Até que na linha do horizonte começaram a surgir aqueles planaltos imenso uns verdadeiros “châteaux de sable”, que com o ondular do calor reflectido no alcatrão, mais pareciam castelos fantasmagóricos de outra dimensão.

Um pastor surpreendido e que nos saúda à nossa passagem

E… finalmente o alcatrão dá lugar à terra e ficamos frente a frente com estes imensos gigantes de areia! Pessoalmente e falo apenas por mim, parecia mentira.

Ainda em Portugal não tinha visto mais do que meia dúzia de fotos no Google Earth deste lugar, mesmo pesquisando no site Argelino do Turismo, a informação era praticamente nula… Mas agora era real, estava mesmo diante de nós.

Depois de todas as peripécias pelas quais passámos para aqui chegar e do cansaço de já estarmos em viagem à tantos dias, conseguirmos chegar a este sítio era algo inacreditável. Era como que o revelar de um lugar místico, inexistente, e que no fim se veio a revelar verdadeiro.

Eu estava eufórico!!! Tirava fotos sentado na janela do carro, saltei do jipe para fotografar tudo o que podia, o Leonel estava sempre a chamar-me pois já o grupo quase tinha desaparecido (este homem teve muitaaaaaa paciência comigo e com as minhas fotos… lollll !!Um grande Bem Haja a ele). Que homem feliz sou quando viajo e contemplo o mundo pela lente da minha Pentax!!!!!!

Não há muita informação disponível sobre estas inacreditáveis formações geológicas, estes arenitos com mais de 70 metros de altura completamente planos no topo. Isolados e destacados na árida planície são como que erupções que surgiram do nada. Não é fácil, mas é compensador o esforço de escalar até ao topo de um destes gigantes.

A 360º tudo o que vemos é uma imensa planície a perder de vista, salpicada aqui e ali por estes gigantes que isoladamente permanecem como um testemunho dos tempos idos. Quem sabe? Num passado distante a vasta planície seria um imenso mar e os planaltos ilhas? Não sei, mas ali sozinho, com aquela brisa suave e quente a ver os pequenitos carros láaa em baixo deixei a minha imaginação voar, senhor da minha ilha deserta.

Foi com um misto de emoção e euforia que vimos estes serenos gigantes ficarem cada vez mais pequenos nos retrovisores à medida que nos afastávamos. Que sitio incrível, dou por mim a pensar quantos mais sítios como este existirão perdidos por aí pelo mundo… tanto mundo por descobrir, tão pouco tempo e dinheiro. Bem, foca-te Ricardo! Apontamos à língua de alcatrão que desemboca em Orão, que pela frente ainda temos mais de 400 quilómetros.

Orão, ou Wahra, O Leão do Mediterrâneo

O derradeiro dia desta viagem foi passado na cosmopolita cidade de Orão. Depois de quase 500 kms e uma noite bem passada no resort “Los Andaluzes” o dia agora era de turismo puro. A deslocação até à cidade foi feita de autocarro ao ritmo do primeiro dia, com os batedores de mota a fazerem verdadeiras acrobacias por entre o trânsito e a acabarem por perder o autocarro, tal era o entusiasmo!! Subimos até àquela que é possivelmente a imagem mais icónica da cidade, a Basílica de Santa Maria com os seus braços estendidos sobre a cidade. Interessante a dimensão e localização deste monumento católico construído em 1850.

Visitámos o forte de Santa Cruz construído em 1577 por “nuestros hermanos” (a Coroa espanhola dominou o porto de Orão por mais de 300 anos).

Visitámos ainda a mesquita de Moula Abdelkader, onde apanhei um valente um susto! Dentro de uma gruta que existe por baixo da mesquita, sem qualquer outra luz que não a do telemóvel, de repente um grupo de mulheres e crianças entrou em pânico tendo desatado aos gritos e a correr em todas as direcções. Ao tentar sair daquela confusão envolto em pó, sem me aperceber, entrei numa câmara da gruta onde estava um grupo de homens a entoar cânticos (tipo mantra). Quando se apercebem da minha presença, calam-se e olham todos na minha direcção, à luz pálida do meu telemóvel, não pareciam nada contentes… pelo que, ala môce que se faz tarde, nem tentei perceber o que se tinha passado. O caminho de regresso ao autocarro foi ligeiro, e pelo sim pelo não deixei-me por lá ficar.

Baixa da cidade, visita à Gare central de Orão, à Catedral que presentemente foi convertida em biblioteca, tempo para almoço e lá arranjei forma de me perder do resto do grupo tendo deambulado sozinho o resto da tarde por entre o simpático povo desta cidade.

Gare Central de Orão
Antiga Catedral de Orão que foi transformada em Biblioteca

Foi na praça 1º de Novembro que sentado, incógnito no meio das famílias que por ali saboreavam o final da tarde, que me despedi da Argélia. As mães e os pais brincavam com os seu filhos, adolescentes riam ruidosamente, rapazes tiravam aquela selfie, a vida corria com  total naturalidade como em qualquer outra cidade do mundo.

Ali imerso naquela praça a fervilhar de vida, senti fortemente que o preconceito não é mais do que isso mesmo um “pré-conceito”! O que é desconhecido para mim, é familiar do outro. O desconhecido, provoca estranheza, insegurança, mas de facto só o é para mim. Quando ultrapasso a insegurança daquilo que me é diferente, encontro o mundo que é familiar para os outros, o desconhecido passa a ser conhecido e deixo de ser tão inseguro. Enquanto espécie apesar das nossas diferenças é muito mais o que nos une do que aquilo que nos separa. Só precisamos de o descobrir!

Para finalizar deixo a foto de grupo desta malta fixe e que gosta de se perder por outros azimutes. A todos um bem Haja.

E quanto a ti Argélia…

A la prochaine fois… Inshallah!

03. Por este rio acima, Argélia

“C’est le bon Dieu qui l’a envoyée” (foi o Bom Deus quem a enviou), dizia o Sr. Said Tirés, à medida que explicava como certo dia ao deixar aberta a janela da sala do Kasbah, uma andorinha entrou e fez o ninho numa das paredes. – “Para mim”, dizia ele, “foi um sinal de que este lugar seria um abrigo para todos aqueles que viajam”. Até hoje aquela janela mantém-se aberta e o nosso anfitrião em Timimoun aponta orgulhosamente na direcção do pequeno ninho, sinal da eleição divina. 

Esta imagem tem um texto alternativo em branco, o nome da imagem é imgp5607.jpg

Também nós, quais aves migratórias, tinha chegado a hora de partir, depois dos emocionantes dias em Timimoun a nossa expedição começava agora a encaminhar-se para norte em direcção a Orão. O sentimento era o de “montanha russa”, em que depois de subirmos ao topo, num ápice inicia-se a descida louca até ao abrupto fim. Pelo que as rotinas de arrumar a bagagem foram feitas em silêncio, mas tal como Lenny Kravitz, também a Argélia sussurrava… “But baby… it ain´t over ´till it’s over”

Por Este Rio Acima

Eram 6.30 da manhã quando partimos rumo a Béni-Abbès (350 kms). Em caravana e sempre com escolta, rolámos naquele “mood” de passeio domingueiro até entrarmos na impressionante N6. Uma estrada com 2130 kms que atravessa toda a Argélia desde Orão até à fronteira com o Mali. Esta estrada é uma verdadeira fronteira entre o imenso aglomerado de dunas do Erg que fica do nosso lado direito e uma cordilheira rochosa (o remanescente das montanhas do Atlas) que fica do nosso lado esquerdo. Todo o percurso até Béni-Abbès é paralelo ao grande Oued Saoura. Um imenso vale com aproximadamente 300 kms que atravessa a província de Béchar até terminar num lago de sal, o Sebkha el Melah. 

Se há imagem que fica gravada na nossa retina relativamente à Argélia é a grandiosidade de tudo o que nos rodeia. As proporções que a natureza assume são avassaladoras.

A paisagem ia passando por nós qual episódio do National Geographic, surpreendente, árida, deslumbrante. O conforto no interior contrastava com a imensa sova que levámos pelo vendaval de areia que deixou marcas nas viaturas, ficando certas peças com aquele aspecto brilhante, meio decapado. O céu manteve-se enublado a maior parte do tempo pela espessa nuvem de areia e pó em suspensão. 

Béni-Abbès, A Pérola do Saoura

Chegados à cidade, os militares encaminharam-nos para o que era literalmente um quintal em terra num edifício, rodeado por muros com quase 2 metros de altura e cheio de lixo, sem condições nenhumas. Com o vento que se fazia sentir, mal conseguíamos abrir os olhos de tanto pó. Confrontados com o descontentamento do grupo, a resposta dos militares foi a habitual! –”Tem que ser aqui por questões de segurança”… Salvou-nos a determinação de um homem, muito experiente neste tipo de circunstâncias. O Parola Gonçalves, que depois de muita insistência junto do guia e dos militares meteu-se num carro com o guia e outro expedicionário e foram à procura de uma solução. Quando chegaram o sorriso no rosto do Parola era revelador de que havia outra solução. O Hotel “Le Grand Erg”. Não era propriamente espectacular, ao entrar no quarto fui saudado por duas baratas de patinhas para o ar como que a pedir festinhas na barriga, que prontamente chutei para debaixo da cama, o que era espectacular sim era a vista que tínhamos da varanda. Sobrelevada sobre o palmeiral talvez uns 15 metros, a vista desafogada permitia ver todo o imenso Oued de Saoura, com mais de 100 metros de largura e sobre a direita uma gigantesca duna que abraçava toda a cidade.

Após a imperativa limpeza dos filtros de ar e inspecção geral às mecânicas, houve ainda tempo para um brinca na areia no “playground” de dunas mesmo nas traseiras (a malta já estava com saudades!!) visitar a piscina da cidade que é alimentada por uma nascente de água natural, visitar a cidade velha, e beber um chá no parque que fica entre o Teatro Municipal e a Mesquita.

O dia foi dado como concluído com o jantar no restaurante do hotel. Para mim a maior surpresa foi quando ao chegar ao restaurante passei por um grupo e ouvi um sonoro – “Boa noite” em português. Respondi de voltacom estranheza e quando caí em mim voltei atrás. Era um grupo de trabalhadores portugueses. Joaquim, o mais falador explicou que já se encontrava à três anos e meio em Béni-Abbès como engenheiro responsável pela construção de um “mega-hotel” (que tivemos o privilégio de visitar no dia seguinte), o Hotel Rym. Um investimento desta envergadura em Béni-Abbès, demonstra não somente a beleza da cidade, como as fortes potencialidades desta região para o turismo.

Pão com manteiga por favor

Ao contrário do dia anterior a manhã despertou limpa, pelo que a vista desde a varanda do quarto sobre o Oued era ainda mais espectacular. Até onde a vista alcançava era possível ver o contorno do Oued que serpenteando demarcava perfeitamente a separação entre as montanhas e as dunas do Sahara, esse gigante omnipresente. A rotina habitual da manhã. Arrumar malas e o saco cama… sim, dormi no meu saco cama e com a minha almofada de campanha, dormir naqueles lençóis não se me afigurou como algo que fosse contribuir para a minha saúde, assim como ao pequeno almoço os cubos de marmelada… naquele estado semi letárgico em que me encontro pelas manhãs, preparava-me para barrar o pão com marmelada, quando do fundo da mesa ouço alguém exclamar…  -“Tchii… já viram a validade da marmelada??? já expirou há mais de uma ano!!!” sem grande alarido voltei a pousar o dito cubinho e deliciei-me com um pãozinho com manteiga.

Primeira paragem do dia, visita à ermida onde por vários anos viveu o Padre Charles Foucauld (para mais sobre a vida de Charles Foucauld ver artigo edição nº 3). Surpreende pela positiva o estado de conservação dos monumentos alusivos à vida de Charles Foucauld, tanto em El Menia como aqui em Béni-Abbès. Num lugar como no outro são monumentos preservados com bastante informação e detalhe. Do exterior dificilmente percebemos o que era, uma casa de piso térreo feita em barro, em que apenas se vislumbra no telhado uma discreta cruz. É quando entramos que nos apercebemos que estamos numa ermita católica. Na semi escuridão percebemos uma nave central, ladeada por uma série de colunas  de um lado e outro e que dão acesso a dois corredores laterais paralelos. O chão de terra e as poucas janelas ao nível do tecto conferem a todo o edifício um ambiente austero, humilde e uma quietude que invoca a contemplação. No fim da nave central o edifício abre lateralmente quer para um lado quer para o outro e uma pintura de Cristo cobre a parede. São vários os utensílios relacionados com o sacerdócio que ali se encontram. Numa sala anexa existe um pequeno museu com fotos, gravuras, textos, livros e mapas que relatam a vida deste extraordinário ser humano.

Se era curta a distância que nos separava da nossa paragem seguinte (cerca de 200 kms) na minha cabeça passou ainda mais rápida, pois boa parte da viagem passei-a a imaginar o que teria sido a vida deste homem, que viveu em completo isolamento da sua cultura nativa e sem os recursos, meios de transporte ou comunicação de que dispomos hoje em dia. Arriscou tudo, inclusive a sua vida, para aprender a língua, os hábitos e tradições vivendo em voto de pobreza entre os Tuaregues. Que exemplo, que legado!

…e… ao alcançarmos o topo de uma colina por entre as montanhas….

Taghit, O Postal ilustrado

O impacto visual é imediato, ao descrever uma curva sobre a direita no topo da montanha, o negro do alcatrão contrasta com a superfície rochosa, e ao fundo abraçada pelas imensas dunas está aquela que para mim foi a mais bela localidade de toda a expedição, Taghit. 

Ao entrar na cidade sentimos aquele ambiente festivo próprio das estâncias turísticas. Pelas muitas atracções presentes percebemos que é uma localidade com muito turismo (interno). A animação é grande, passeios de moto 4, crianças a brincar, passeios de camelo, um parapente que voa sobre a duna, mercado de rua com artesanato, autocarros e muita gente.

A beleza do local resulta do contraste entre as montanhas que terminam num imenso Oued onde prolifera um palmeiral e no sentido exactamente oposto umas dunas imensas e que fazem com que todo o povoado fique “engavetado” no meio. Como chegámos relativamente cedo a tarde deu para um pouco de tudo.

Visitámos um local de interesse arqueológico onde pudemos observar imensas gravuras rupestres, os mais afoitos andaram a tentar subir algumas das dunas com os jipes, deu para um passeio de moto 4, a custo escalar a maior duna que de tão inclinada que era permitia que crianças em trenós a descessem como se de neve se tratasse. Foi uma tarde de pura diversão e para mim em termos humanos o momento mais emocionante. Já com o sol a pôr-se sobre as montanhas fui rodeado por um grupo de crianças, felizes e super curiosas com a nossa presença.

Disse-lhes quem era, de onde vinha, o que fazia ali, e tirei o telemóvel para lhes mostrar algumas fotos. Foi um momento mágico, todos queriam ver, as meninas quando viram a minha filha exclamaram de uma forma ruidosa – “Ohh!!! elle est trés belle…” e tocavam no ecrã, e então quando mostrei a foto do meu rapaz… foi uma festa. Já no lusco fusco despedi-me dos meus amigos e desci a duna com as botas às costas, o sorriso não me cabia no rosto. Sim! Viajar é a única despesa que nos faz mais ricos!

02. Rumo ao Ksar Draa

Provavelmente, um dos últimos lugares na terra onde os portugueses ainda não tinham assente a planta do pé!

No “mood” daquele conhecido anuncio de uma marca de cerveja, partilho convosco o relato da epopeia que foi a aventura para chegar ao Ksaar Draa, um pontinho perdido nas dunas do Grande Sahara!

Este artigo é parte integramente do nº4 da Revista  Overland Portugal. Por isso mesmo, solicito que a partilha destes artigos não sejam uma “desculpa” para não comprar a revista, antes que seja um desafio e estimulo para que todos de uma forma muito pragmática ajudem a manter vivo este projecto. Estamos a falar de 20€ por ano, com entrega no domicilio!

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Assinaturas Revista Portugal Overland

Deixo o PDF com a publicação e o texto que compõe o artigo.

Boas leituras!

ROP 4 TIMIMOUM KSAR DRA 1-2

“Timimoum o “Oásis Vermelho do Deserto”

O conta-quilómetros marcava 1347 kms quando a caravana deu entrada no imenso Oásis que se tornou cidade, em pleno Sahara. Timimoum, o Oásis Vermelho do Deserto. Ao passar a porta da cidade,  o deserto dá lugar a um mundo, repleto de azáfama, transito e frenesim citadino. 

Com os seus edifícios de barro vermelho cravejados de espigas (estilo Neo-Sudanês), Timimoum denuncia a sua herança de entreposto comercial das inúmeras caravanas nómadas que vinham da África sub-sahariana. Marca desse tempo é a porta da Cidade virada a Sul, a “Porta do Sudão”. A localização de Timimoum, na beira de uma escarpa, proporciona uma vista deslumbrante. Sobrelevada acima dos palmeirais que a rodeiam tem aos seus pés o imponente Sebkha (lago seco com 80 kms) e mais além as dunas do Grande Deserto. Estes contrastes proporcionam um pantone de cores inesperado. O vermelho da cidade, um anel de verde a rodeá-la, ao fundo o ofuscante branco do Sebkha e ao longe o dourado das dunas.

Timimoum é a demonstração da capacidade do Homem em se adaptar a climas hostis, resistir e sobreviver. Se há algo a aprender com Timimoum é que um Oásis, é mais do que o resultado acidental de uma série de circunstâncias aleatórias. É antes o resultado da capacidade humana em se adaptar e gerir com eficácia os recursos disponiveis. Não existe maior ecologista que o nómada, que vive perfeitamente integrado com o meio que o rodeia e usa somente o absolutamente necessário à sua sobrevivência.

A história deste Oásis vem do tempo em que os escravos que vieram do Mali e Níger lhe “ofereceram” as preciosas “Foggaras”. Um sistema de irrigação que permanece até aos dias de hoje. Construída a partir do Século I, esta rede composta por poços escavados à mão (> 100) consegue utilizando somente a gravidade, extrair água a partir dos lençóis freáticos, e distribui-la por toda a cidade e palmeiral.

Dos 4 dias que passámos em Timimoum, um foi passado a conhecer a cidade. O nosso guia o Sr. Abdalah Sofi, revelou-se um homem culto e profundo conhecedor da sua cultura e cidade. Este foi o dia mais turístico. Visitámos o mercado local, as Foggaras, tendo inclusive os mais afoitos aventurado-se por uma das muitas galerias subterrâneas. Fomos conhecer a parte velha da cidade em que a construção abriga uma rede de túneis ao nível dos pisos térreos, como protecção contra as tempestades de areia e do calor, que segundo o nosso guia nos dias mais quentes chega aos 60ºC. Visitámos a antiga mesquita, a porta da cidade velha, onde os anciãos se reuniam para deliberar sobre os mais diversos assuntos, o “Centre Algérien du Patrimoine Culturel” onde descobrimos, que em 15 de Abril de 1926, era um Hotel de luxo e que acolheu a Grã-Duquesa do Luxemburgo, acompanhada por André Citroen, numa aventura que partindo do Luxemburgo, passou por Timimoum em direcção ao Mali.

ROP 4 TIMIMOUM KSAR DRA 3-4

A linha da frente contra o avanço do deserto

Mas, voltando um pouco atrás, as hostilidades começaram não pelo centro de Timimoum, mas pela sua periferia. Na manhã do primeiro dia era grande a animação no “Aubergue La Rose de Sable”. Depois de vários dias a rolar em alcatrão, este era o tempo de partir à descoberta! Após uma negociação bem-sucedida com as forças da autoridade, foi-nos permitido avançar sem que tivéssemos que ser escoltados, indo apenas connosco um militar à paisana, armado e que adorou a experiência, tendo-se tornado um connosco nas dificuldades que tivemos que enfrentar…

Timimoum é o mais povoado Oásis do Grande Erg Ocidental, mas num raio de 30/40 kms existem diversos pequenos oásis e ksares em pleno deserto. Podemos dizer que a maioria deles são a última fronteira na luta com o deserto. Todos construídos em barro resistem como podem às investidas do gigante que reclama o seu domínio. Uns foram construídos sobranceiramente à “Grand Falese” que de alguma forma os mantêm a salvo, outros têm autênticas muralhas tecidas com as folhas das palmeiras que são a primeira linha para evitar o avanço das areias, mas todos eles têm um aspecto de posto militar avançado que exibe as feridas de uma batalha sem tréguas. Semi abandonados, em ruínas, muitas vezes a única opção para as populações é recuar, abandonar os destroços e voltar a construir um pouco mais longe as suas habitações.

A vida nestes ksares mantém-se inalterada, é como viajar 500 ou 1000 anos na história. Na maioria deles vivem pequenas populações de não mais de 50 pessoas, muitas crianças que quando nos vêm fogem para os seus castelos desmoronados e de uma forma tímida e assustada observam-nos de uma distância segura. Somos um estranho mundo novo, a distância que nos separa é maior que a sua curiosidade.

O dia correu suave em jeito de passeio turístico. Fomos visitando as aldeias maioritariamente por pistas, subimos “La Falese” de onde é possível de uma altura considerável vislumbrar toda a planície do Sebkha, várias aldeias e palmeirais. Em Ouled Said uma pequena vila num palmeiral já bem distante de Timimoum, percebemos a vitalidade, longevidade e importância das Foggaras para a sobrevivência deste povo. Uma obra de engenharia incrível.

Um teste a veículos e condutores

Até que, o nosso guia em preparação para o dia seguinte, decidiu subir um pouco a fasquia e pôr à prova maquinas e condutores, levando-nos para um verdadeiro “playground” de dunas de uma dimensão considerável e de areia muito fofa… é que a nossa estadia em Timimoum, tinha também um outro objectivo! O Ksar Draa. Uma fortaleza perdida no meio do deserto, completamente isolada e sem qualquer pista que lhe dê acesso. O próprio guia confessou apenas lá ter ido algumas, poucas vezes, com grupos em moto 4 mas nunca com uma caravana de jipes. Pelo quis pôr à prova o grupo e perceber o nível de experiência em dunas. Só que nada nos tinha preparado para o que iríamos encontrar no dia seguinte.

Diversão e mais diversão, dunas, sobe e desce, sem pistas assim foi o resto deste dia de “boucle” pelos ksares de Timimoum. Tirando um pequeno percalço sem consequência de maior, em que pela falta de meios de comunicação entre os jipes e naquela adrenalina das dunas ninguém se apercebeu que o jipe que vinha a fechar a “coluna” atascou e ficou sozinho para trás. Não levou muito tempo até que nos apercebêssemos do sucedido, e imediatamente dois jipes foram no seu encalce, mas apesar de sozinho, com ajuda de pranchas, já se tinha conseguido “safar”. Pelo que já noite serrada encaminhá-mo-nos para o Aubergue e demos o dias por concluído.

ROP 4 TIMIMOUM KSAR DRA 4-5

Ksar Draa Aerial

Ksar Draa, o segredo mais bem guardado de Timimoum

O dia amanheceu e na Rose de Sable cada um estava ocupado com as suas tarefas para que todos estivessem prontos à hora marcada. Da minha parte estava despachado e aproveitei para subir ao terraço e ver o nascer do sol. Tinha cá dentro um formigueirozinho de empolgamento pelo dia que se avizinhava. Seria um dia praticamente a navegar por azimute pelas dunas em direcção ao Ksar Draa. Para mim quase um mito, tinha pesquisado, procurado, mas praticamente não tinha encontrado informação nenhuma… pelo que ter a hipótese de visitar um sitio assim deixava-me em pulgas. Tudo pronto para sair. Combinou-se com o dono do Albuergue um jantar especial, o Mechui (um cordeiro que é embrulhado, enterrado no chão e é assado pela fogueira que é feita sobre ele… um acepipe slow cooking) e lá fomos nós à descoberta do Draa.

Falar do Draa é quase como falar de uma lenda. Esta fortaleza circular de barro e pedra, é um mistério da engenharia humana. Ninguém consegue precisar a data da sua construção, no entanto permanece no meio de um mar de dunas, sozinha, impressionante, misteriosa!

O Ksar é circular, feito de uma parede dupla, a exterior em pedra e a interior de terra. O acesso ao interior é feito por uma única porta, virada a Norte. O que parece ter sido em tempos os quartos, estão aninhados contra a parede circular e sem comunicação entre eles. É possível identificar 3 niveis diferentes se bem que não é visível qualquer escada de acesso aos pisos superiores. Sem janelas de acesso para o exterior, este verdadeiro bunker demonstra bem o seu carácter defensivo, se contra invasores ou apenas contra o deserto ninguém sabe.

Nos dias seguintes falei com alguns dos habitantes de Timimoum procurando saber um pouco mais sobre o Draa. A maior parte nem sequer acreditava que lá tínhamos estado, só ficavam convencidos quando lhes mostrava as fotografias. Quase nenhum sabia detalhes sobre a razão da sua existência ou por quem fora construído. Especula-se que teria sido ocupado por um grupo de judeus da área de Timimoum (foi encontrada uma gravura com a Estrela de David). Provavelmente uma fortaleza para as caravanas de camelos. Na verdade, ninguém sabe, sendo mais um dos mistérios deste lugar fabuloso que é o Sahara. 

Bem!… Saída de Timimoum. Alcatrão. Direcção Benni Aissi. Povoado lindo já em pleno deserto, visita ao Ksar, fotos e siga. Tagant, paragem, baixar a pressão dos pneus, e vamos brincar na areia. Seguindo em paralelo àquilo que se assemelhava a uma pista coberta de areia, onde aqui e ali era visível um bocado da mesma. Avançámos até um oásis, daqueles que têm só 5 palmeirinhas, mas que dão a sombra necessária para o almoço. São exactamente 13:10 quando arrancamos depois do almoço. Não serão mais do que 15/20 kms até ao Ksar. O calor começa a apertar, a areia está quente e macia. Com as primeiras dunas, os primeiros atascanços, nada de complicado… pranchas, pás, um empurrãozinho e pronto. A configuração das dunas muda, não que sejam muito altas, mas são extremamente cavadas, a areia quase parece fesh-fesh. Ao sair de uma duna o ângulo de ataque para a próxima é tão acentuado que ambos os para-choques começam a ser castigados. A coisa complica-se. Mais atascanços! No permanente, entra e sai do carro, parece que já tenho mais areia dentro das botas do que fora delas! Botas fora. Conclui-se que a caravana avança mais rapidamente se forem 3 ou 4 “batedores” a pé à procura da melhor linha por entre as dunas. Ajuda, mas pouco. Decidimos que é melhor partir a coluna em duas (estamos a falar de 10 jipes), e seguir em paralelo em linha de vista. As horas vão passando. A progressão é feita metro a metro. Duas coisas mantêm-se inalteradas; os atascanços, e a visão do Ksar que parecia logo ali, mas a fadiga começa a tomar lugar, e as pranchas começam a revelar as suas fragilidades. Umas partidas, outras praticamente carecas. Ao passar pela “crista” de uma duna, um susto! Uma das viaturas resvala lateralmente quase capotando… calma, engenho e espírito de equipa resolvem a situação. E a marcha faz-se, sobretudo a pé. O sahara revela-se, de uma quietude demolidora, pondo à prova os nervos, o bom senso e a coesão do grupo. O nosso objectivo está à vista, o sol esse começa a desaparecer na linha do horizonte. O militar que nos acompanha começa a revelar algum nervosismo. Tinha ordens claras para recolher a Timimoum antes do anoitecer, pois não é permitido circular à noite. Entretanto, uns pneus descolados, um amortecedor partido, os para-choques… coitados! Cintas, pás, guinchos, empurra, e é noite escura quando o último jipe sobe à base de pedra onde está o Ksar. O militar sugere que continuemos por questões de segurança. O grupo está determinado em fazer o contrario, por questões de segurança. É impensável avançar à noite com todo o tipo de armadilhas que tivemos que evitar durante o dia. Finalmente convencido, contacta com os seus superiores, relata o sucedido, e autorizaram a nossa pernoita junto ao Ksar… como se houvesse qualquer outra opção!

Foram precisas 6 horas para percorrer os quase 16 kms até ao nosso destino. Na escuridão da noite o Draa assume contornos fantasmagóricos. Na total ausência de civilização e com uma noite de lua cheia esta foi uma noite mágica e que jamais será esquecida. Ao jantar a conversa corre solta, o riso é fácil, a boa disposição é geral. E eu lembrei-me, que não tinha nada para dormir… tenda, saco-cama, roupa, tudo tinha ficado em Timimoum. Não há problema, o Paulo e a Marta, prevenidos, empresta-me a mim e ao Leonel 2 sacos cama. Menos mal, dormi sentado no jipe mas quentinho.

No dia seguinte o regresso fez-se também pelo mar de dunas, mas em direcção a Aghlad, cerca de 20 kms.
Optamos por colocar o guia num dos nossos jipes à cabeça da coluna (melhor preparado que a viatura do guia), para marcar o trajecto. Era importante que antes que o Sol começasse a aquecer muito (pois com o calor as dunas começam a ficar mais “moles”) se avançasse o máximo possível. Fez alguma diferença, mas no essencial o nível de, pára/arranca manteve-se, a receita do dia anterior repetiu-se. As viaturas foram castigadas mais um bocadinho, os braços cavaram, os guinchos puxaram, as pernas andaram e pouco depois da hora do almoço finalmente entrámos na pista. A média horária não deve ter sido muito superior à do dia anterior. A principal diferença, é que já sabíamos o que nos esperava e como tal enfrentámos o “gigante” com outra garra, e vencemos!

Nessa noite à volta da mesa, o ambiente era de festa! Tínhamos conquistado o Draa. À distancia o quadro fazia lembrar aquele banquete com que terminam todas as aventuras de uma certa aldeia Gaulesa depois das suas aventuras. Só que em vez de Javali o acepipe era um “Mechui” que tinha esperado 24 horas pelo nosso regresso.

01. Argélia a Outra Face do Grande Deserto

Em tempos de confinamento, nada como pôr a leitura em dia. Numa excelente iniciativa da Revista Overland Portugal e do seu director, Camilo de Oliveira, partilhamos aqui o primeiro de dois artigos publicados (o terceiro está a caminho), relativos à expedição à Argélia.

Gostaria de deixar aqui dois agradecimentos:

Em primeiro lugar enquanto autor dos textos e fotografias, deixo aqui um agradecimento especial a todos os companheiros de viagem pela forma incrível como me acolheram. Eu, o mais maçarico de todos 😉 e por ordem alfabética, Avelino Branco, Daniela Barata, Hugo Calisto, José Ventura, Leonel Ribeiro, Marco Amaro, Marta Graça, Nuno Brito, Parola Gonçalves, Paulo Lopes, Ricardo Torresmo, Ricardo Vieira, Rosa Maria, Rúben Guerreiro, Rui Rodrigues, Sérgio Cavaco, Sílvia Martins. Um grande Bem Haja!

Em segundo lugar à Revista Portugal Overland e ao seu director por acreditar! Por atrever-se a manter em pé um projecto que pretende ser disruptivo e inovador, mesmo sabendo que se dirige a um nicho de mercado. Por isso mesmo, solicito que a partilha destes artigos não sejam uma “desculpa” para não comprar a revista, antes que seja um desafio e estimulo para que todos de uma forma muito pragmática ajudem a manter vivo este projecto. Estamos a falar de 20€ por ano, com entrega no domicilio!

Link para as assinaturas anuais ou pontuais.

Assinaturas Revista Portugal Overland

Deixo o PDF com a publicação e o texto que compõe o artigo.

Boas leituras!

ROP3 Argélia a outra face do grande deserto 1-2

 

ROP3 Argélia a outra face do grande deserto 3-4

ROP3 Argélia a outra face do grande deserto 5-6

“Presentemente já não é motivo de grande surpresa quando ouvimos alguém contar que fez uma viagem até ao Magrebe.

Marrocos, Mauritânia, Tunísia ou já fora deste espectro o Senegal deixaram de ser destinos “inalcançáveis”. Esta realidade deve-se em parte ao facto de que gradativamente estes países ganharam uma consciência de que o Turismo é uma actividade que gera resultados interessantes não somente a nível financeiro como a nível social.

Mas, qual enclave entre o Magrebe Oriental e o Magrebe Ocidental, a Argélia tem mantido uma postura muito reservada, tornando-a num território de difícil acesso. E só este facto já é motivo mais que suficiente para inflamar o imaginário de todos aqueles que sonham com expedições fora do espectro daquilo que já é conhecido… Qual fruto proibido…

Sem me alongar com muitos detalhes devo referir que a questão burocrática é fulcral em toda a expedição, não somente na obtenção dos vistos, como se encontra presente durante toda a expedição.

Para entenderem um pouco da complexidade deste processo, deixo-vos em traços largos a forma pela qual foi possível obter os vistos. Entregamos à agência de viagens a nossa “intenção” de viagem. A A.V. verifica que se o mesmo é “exequível”. Posteriormente é enviado ao Ministério do Interior, que valida, ou não, e trata de toda a logística que envolve as escoltas. Só posteriormente é dada a autorização para que os vistos sejam emitidos. Ou seja, implica que ao longo de todo o tempo em que nos encontramos em território Argelino somos acompanhados por uma escolta. Podemos ter uma imagem idílica de fazer uma expedição por pistas infindáveis, seguir os tracks por onde quer que decidamos, mas a realidade é, que para irmos do ponto A ao ponto B, teremos que fazê-lo sempre em caravana e com um carro de “La Gendarmerie” a abrir a coluna e outro a fechá-la.

Sendo a Argélia o maior país de África com 2 381 741 km era prioritário definir o objectivo desta expedição. Assim foi decidido que o foco central seria a cidade de Timimoum “O Oásis Vermelho do Sahara”, e a partir daí explorar durante 4 ou 5 dias o “Grande Erg Ocidental”, fazendo posteriormente o regresso a Orão. Mas quer na ida quer no regresso muito havia para ver… A cidade milenar de Ghardaia. El Golea, o imenso palmeiral (calcula-se que tenha 180.000 palmeiras), onde se encontra o sepulcro do Padre Charles Foucauld e que é a porta para o Grande Erg Ocidental do Sahara. Timimoum na região de Gourara, com a sua Foggara, Ksares, e o imenso Sebkha (lago salgado seco). Beni Abbés a Pérola do Saoura, um Oued de dimensões consideráveis e a sua duna branca. Taghit a pitoresca vila turística construída no vale sobre o Oued Zousfana, em que as falésias negras do deserto rochoso se encontram com as imensas dunas de areia branca e fina. E por último os massivos imponentes planaltos na vila de Brézina… mas comecemos pelo princípio!

Oran. Uma Chegada “barulhenta!

O Ferry atraca, e subitamente todos nós passamos de um estado semi letárgico criado pelo suave marear do pacífico Mediterrâneo para um nervosismo miudinho. Há que descer para o porão, arrumar os pertences pessoais nos carros, e esperar que os portões se abram. No emaranhado de pessoas, carros, camiões fumarentos, descemos a tão aguardada rampa que nos dá o acesso porto de Orão. Num total de 80/100 viaturas no total (não sei precisar), somos agraciados com um tratamento diferenciado pelo chefe da Policia, fazendo com que a nossa coluna passe à frente de todos os outros, o que cria um misto de reacções, descontentamento de quem se vê ficar para trás gerando um senhor Buzinão, uma certa atrapalhação por parte dos oficiais da alfandega no preenchimento dos documentos, com evidentes dificuldades de comunicação, e da nossa parte um certo desconforto e embaraço perante este conjunto de acontecimentos, sem que tivéssemos tido qualquer culpa na situação. À nossa espera já está o nosso guia um Tuaregue encorpado, vestido a rigor, com um sorriso pepsodente e com um coração de Ouro, que se veio a revelar um homem de grande sabedoria e sensibilidade, o “Madhi”, e o dono da agência de viagens que nos acompanhou durante alguns dias o Sr. Adnane que foi incansável em providenciar tudo o que íamos necessitando.

A conta-gotas os carros são revistados…a rotina habitual, tira malas, abre malas, espreita aqui, espreita ali, um oficial mais atrevido sugere que a lanterna que um dos expedicionário leva, tinha melhor utilidade nas suas mãos… as perguntas do costume… levam álcool? Vão para onde? Têm sistemas de comunicação? (Na Argélia é proibida a utilização de rádios CB ou VHF)… e a mais surpreendente de todas! Levam Ouro? … Não, não levamos ouro, (somente o Madhi com o seu coração de ouro…). Arrumamos tudo nos carros. Entretanto o único scanner avaria devido ao peso de uma das viaturas, e quando estamos ali a 5 metros do portão de saída, tudo para trás novamente e o mesmo ritual… com a tralha toda no chão acaba por vir um superior e diz que está tudo bem! Abrem-se os portões e cá vamos nós. À nossa espera já estão as motas da escolta policial com os pirilampos acesos, e de uma forma meia rocambolesca arrancamos a alta velocidade em coluna, sempre a fundo pela cidade de Orão!!!

Os 700kms que separam Orão de Ghardaia rolaram sem grandes surpresas, as cidades de Tiaret e Aflou em tudo são muito semelhantes às cidades Marroquinas. Em viagem o que inicialmente estranhamos rapidamente se torna parte da rotina e as constantes trocas de escolta rapidamente deixaram de ser novidade. A cada 100/150 kms, encostávamos à berma, fosse no meio do nada, à entrada ou à saída de uma cidade e ficávamos ali a aguardar pelo render da escolta. De salientar que todos os militares foram super correctos. Bem-educados e bem-dispostos eles próprios sentiam uma certa curiosidade em saber quem éramos e qual o propósito da nossa expedição. Tivemos a alegre surpresa de atestar os depósitos com pouco mais de 6 euros (0,11 cêntimos lt), e eu, o susto quando fotografava alegremente uns pássaros no topo de uma mesquita, quando alguém da nossa equipa começa aos gritos comigo, pois o que de facto estava a fotografar era um quartel militar e tinha os militares todos a olhar para mim!! Maçarico!!! Chegámos já noite escura (21:30) a Ghardaia, fomos directos para o Hotel Camping Oásis onde pernoitámos e a visita à cidade ficou para o dia seguinte.

Ghardaia – A cidade Milenar

Nas palavras de Simone de Beauvoir Ghardaia é como “Um quadro Cubista lindamente construído “ Quando vimos do deserto, em primeiro plano surge o vale do M´zab em contraste com a arquitectura rectilínea da vila, envolta pelos palmeirais, com as suas casas, os seus terraços azuis e bem em destaque no centro surge a mesquita. Nenhum estrangeiro está autorizado a visitar a cidade sem ser acompanhado por um guia, pelo que tivemos que aguardar no souk principal que chegasse o nosso. Na cidade as rotinas da vida diária seguem com normalidade independentemente da nossa presença, somos observados, mas ao contrário de outras cidades magrebinas, não somos invadidos por pedintes ou mesmo vendedores. Há um elemento de curiosidade e simultaneamente estranheza com a nossa presença! Dentro da cidade velha é proibido fotografar os habitantes, somente a arquitectura e paisagem. Ghardaia é um labirinto concêntrico de ruas estreitas em barro e que converge para o topo onde visitamos a “velha mesquita”. O nosso guia sempre atento, quando percebe que nos vamos cruzar com alguma das mulheres mzabitas (as mulheres de Branco de Ghardaia), certifica-se que é feito “em segurança”. Muitas vezes elas ficavam imóveis a um canto à espera que passássemos e fechavam ainda mais o “haik” que descobre apenas um olho, evitando qualquer forma de contacto visual. Impressionante, o cruzarmo-nos com estes vultos de branco, estas existências quase fantasmagóricas. A visita tal como a vida, prossegue com uma certa normalidade, mas sem deixar de ser desconcertante… visitamos o resto da cidade, mas a minha cabeça anda algures a imaginar como é a vida? As relações familiares? As relações de vizinhança? As amizades? Se vinha com muita curiosidade, sinto que parto com muitas fotografias e pouco mais, porque a curiosidade adensou-se!

Saímos de Ghardaia, sentido El Golea (300 kms) e o GPS indica “a entrar na Transariana”. Aguardamos nova escolta, fora das cidades por regra são militares, chegam sempre em viaturas 4×4, armados e bem-dispostos. A sua missão é levar-nos em segurança e fazem-no perfeitamente pelo melhor e mais curto caminho.
 
Percorremos esta língua de alcatrão em pleno Sahara, que é a Transariana. Estamos na fronteira Oriental do Grande Erg Ocidental, a 360 º à nossa volta tudo é plano, a areia do deserto percorre a estrada com o vento, e este entra quente pela janela. Definitivamente entrámos no tipo de cenário pós apocalíptico, em que não se vê vivalma. Se por uma qualquer razão que agora não me lembro, fossemos rodeados pelos malévolos aranhiços do Mad Max em busca do precioso “juice” não estranharia nada, pois este é definitivamente o cenário da terra de ninguém. A beleza e grandiosidade deste país é esmagadora.
 
El Menia (El Golea), cujo nome significa “O Castelo Inexpugnável”, localiza-se praticamente no centro geodésico da Argélia. Este grande Oásis, com umas expressivas 180.000 palmeiras é a porta de entrada para o Grande Sul. Aninhada entre dois planaltos, num dos quais se encontra o tal “Castelo Inexpugnável” e traçada ao meio pelo negro do alcatrão da Transariana, esta terra poeirenta guarda em si, um tesouro. A Igreja de St. Pierre (a primeira igreja católica da Argélia, consagrada em 1938) e o sepulcro do padre Charles Foucauld. Em razoável estado de conservação e com guardas que zelam pela sua segurança, estes dois monumentos são o símbolo da importância e a diferença que a vida deste homem fez neste país Muçulmano.
 
Charles Foucauld (1858-1916) é daqueles fenómenos silenciosos da história, mas que deixam marcas permanentes. Aristocrata rebelde e boémio agraciado pela generosa herança deixada pelo seu avô acaba por ingressar na vida militar. Já oficial do exército francês é transferido para a Argélia. Aos 23 anos, decide deixar a vida militar a fim de explorar Marrocos, fazendo-se passar por judeu. Acaba por se converter e ingressar na Ordem Trapista. Como mote, defende que uma vida exemplar é o único livro que muitos homens irão algum dia ler. Percorre todo o Magrebe vivendo com os Berberes por mais de 12 anos e é assassinado por assaltantes de passagem, na porta de seu ermitério, em 1 de Dezembro de 1916 em Beni-Habbes. Como legado deixa  Reconnaissance au Maroc (1888), tendo recebido uma medalha da Sociedade Francesa de Geografia, em reconhecimento pelo seu trabalho de investigação no Norte de África. O primeiro dicionário Tuaregue-Francês e uma série de outros trabalhos sobre, cantos, tradições e costumes Tuaregues que se tornam uma referencia no estudo da cultura.
 
Em pleno deserto há uma quietude e solenidade que envolvem este lugar que não deixam ninguém indiferente e faz-nos pensar nestas pessoas que com um sentido de abnegação e altruísmo acabaram por pagar com a própria vida o preço do seu serviço.
 
De partida há ainda tempo para subir ao castelo e visitar o lago de sal. As opiniões dividem-se quanto à origem do lago, o nosso guia disse ser o resultado de uma profunda perfuração artesanal realizada no início do século XIX. A pressão da água era tão forte que não podia ser controlada e foi assim que nasceu o lago de sal. Independentemente da versão, este lago deu origem a um pequeno ecossistema com abundantes espécies de aves migratórias, incluindo cegonhas e garças. O cenário perfeito para o almoço!
 
… e depois… rumo a Sul, a Timimoum, pela imensa Transariana… mas isso fica para a próxima!”

01. Argélia… primeiras impressões!

 

Foi em silêncio e com os olhos fitos na linha do horizonte que observei os últimos raios de sol à medida que este se escondia por detrás da Basílica de Santa Maria na cidade de Orão. À minha volta várias pessoas contemplavam o mesmo cenário, grupos de amigos que falavam alegremente à medida que apontavam o dedo para a cidade, um pai com o filho ao colo e que lhe sussurrava ao ouvido, e uma mulher que me despertou a atenção. Também ela observava a cidade com o olhar fixo e sem pestanejar. A sua expressão falava, a felicidade que dela emanava dizia que voltava para o que era seu, para o que lhe era querido. O seu silêncio clamava bem alto a singular palavra que nós portugueses conhecemos como Saudade. Palavra que expressa de uma forma universal o sentimento de todos aqueles que pelas mais diversas razões, se vêem forçados  a sair do seu país, a cortar nem que seja temporariamente os laços com a sua própria cultura para abraçar outra.

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Na mesma amurada, do mesmo navio, à mesma hora, duas pessoas que vivenciam sentimentos e emoções tão distintas. Para mim a silhueta da cidade de Orão representa o exótico, o desconhecido, a aventura. Para esta mulher representa o que lhe é querido, familiar, acolhedor.

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O que é estranho para um, é familiar para o outro. O desconhecido, provoca estranheza, insegurança, mas de facto só o é para mim. Advogo pois que a solução para os problemas do mundo seja viajar. Quando ultrapassamos a insegurança daquilo que é diferente para nós, descobrimos o mundo que é familiar para os outros, o desconhecido passa a ser conhecido e deixamos de ser tão inseguros.

Tive pois a felicidade de ser convidado para integrar esta expedição. Dez jipes, dezoito pessoas. Tanta gente, muita gente, dirão alguns, a gente suficiente, digo eu! Cada um com as suas próprias experiências, com as suas perícias, revelou-se em dado momento fundamental para o sucesso desta expedição. De todos, certamente eu era o menos experiente, para alguns o estagiário, para outro o pendura. A piada fácil entre o grupo era que finalmente me tinham conseguido “agarrar” e trazido num grupo. A todos eles o meu muito obrigado, tornaram esta viagem inesquecível.

Argélia esse colosso de África, mas que é praticamente desconhecido. Se hoje em dia proliferam as viagens para Marrocos, Mauritânia ou mesmo Senegal a realidade é que a Argélia se tem mantido um território praticamente inalcançável em termos de expedições. A principal razão prende-se com a dificuldade na obtenção dos vistos e aqui cabe-me prestar o devido reconhecimento a quatro pessoas que foram incansáveis ao terem que percorrer um processo burocrático digno de um livro de kafka para que fosse possível a obtenção dos mesmos. Eles são o João Cardoso, o Leonel Sousa (que depois de todo o seu empenho acabaram por não poder integrar esta expedição), o Parola Gonçalves e o Rui Rodrigues. Foram muitos e muitos dias de trabalho para que esta expedição pudesse acontecer e sem que tivessem qualquer beneficio pessoal… nos dias que correm é uma verdadeira raridade.

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O Spot que nos iria acompanhar por toda a viagem.

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A desfrutar das 7 horas de viagem entre Almeria e Orão

Quanto a mim o mérito que tive na organização desta viagem foi entregar o passaporte para receber o visto, ver uns tutoriais no youtube de como fechar aquelas tendas simpáticas dos 2 segundos, atirar com a mala da roupa para a traseira do Elerre Azul e zarpar! E que posso eu dizer do meu companheiro de viagem? Durante duas semanas, fomos família, fomos confidentes, rimos, rabujámos, estivemos em silêncio sem que fosse desconfortável, cantámos em altos berros Lou Reed, cuidámos um do outro e ficámos amigos. Leonel Ribeiro, Obrigado!

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Se os dias que antecedem uma expedição como esta são morosos de passar com a ansiedade, quando o despertador toca, zás!!! Somos apanhados num vórtice de tempo e os acontecimentos sucedem-se a uma velocidade vertiginosa. Cacilhas a Almeria 800 kms, já está! 7 horas de Ferry, já está!…e… aqui estou eu na amurada do barco a ver o Pôr do Sol sobre Orão.

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O Ferry atraca, e subitamente todos nós passamos de um estado semi letárgico criado pelo suave marear do pacifico Mediterrâneo para um nervosismo miudinho. Há que descer para o porão, arrumar os pertences pessoais nos carros, e esperar que os portões se abram. No emaranhado de pessoas, carros, camiões fumarentos, descemos a tão aguardada rampa que nos dá o acesso porto de Orão. Num total de 80/100 viaturas no total (não sei precisar), somos agraciados com um tratamento diferenciado pelo chefe da Policia, fazendo com que a nossa coluna passe à frente de todos os outros, o que cria um misto de reacções, descontentamento de quem se vê ficar para trás gerando um senhor Buzinão, uma certa atrapalhação por parte dos oficiais da alfandega no preenchimento dos documentos, com evidentes dificuldades de comunicação, e da nossa parte um certo desconforto e embaraço perante este conjunto de acontecimentos, sem que tivéssemos tido qualquer culpa na situação. À nossa espera já está o nosso guia um Tuareg encorpado, vestido a rigor, com um sorriso pepsodente e com um coração de Ouro que se veio a revelar um homem de grande sabedoria e sensibilidade o “Madhi”, e o dono da agência de viagens que nos acompanhou durante alguns dias o Sr. Adnane que foi incansável em providenciar tudo o que íamos necessitando.

A conta gotas os carros são revistados…a rotina habitual, tira malas, abre malas, espreita aqui, espreita ali, um oficial mais atrevido sugere que a lanterna que um dos expedicionário leva, tinha melhor utilidade nas suas mãos… as perguntas do costume… levam álcool? vão para onde? Têm sistemas de comunicação? (Na Argélia é proibida a utilização de radios CB ou VHF)… e a mais surpreendente de todas! Levam Ouro? … Não, não levamos ouro, (somente o Madhi com o seu coração de ouro…). Rapidamente arrumamos tudo novamente nos carros. Entretanto o único scanner avaria devido ao peso de uma das viaturas, e quando estamos ali a 5 metros do portão de saída, tudo para trás novamente, mesmo ritual… entretanto vem um superior e diz que está tudo bem! Vamozimbora Leonel que já está. Abrem-se os portões e cá vamos nós. À nossa espera já estão as motas da escolta policial com os pirilampos acesos, e de uma forma meia rocambolesca arrancamos a alta velocidade em coluna, sempre a fundo pela cidade de Orão!!!

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Les Andaluses

Foram provavelmente 15/20 kms até resort onde ficámos muito bem instalados na primeira noite, “Les Andaluses”, no entanto para mim e para o Leonel, pareceram 100 kms. Eu explico…O gasóleo em Espanha é mais barato que em Portugal, e na Argélia é muito mais barato que em Espanha (0.11€ o litro). Ainda em Espanha ao vermos que tínhamos pouco gasóleo sugerimos a um companheiro de viagem que devíamos ir pôr gasóleo antes de embarcar, ao que nos respondeu… – Epá não vale a pena, pois mesmo à saída do porto há ali logo uma bomba… e de facto, eu vi! Estava lá! Mas a coluna não parou, e a luz da reserva estava acesa, e íamos a “bombar”, e não tínhamos forma de comunicar entre nós, e a lua estava alta, e os kms não passavam, e estava tudo escuro, e nas descidas eu só gritava ao Leonel “desengata Pá!!”… e lembrá-mo-nos de que nos tínhamos esquecido de uma das principais lições em expedições… nunca andar no limite do gasóleo. Lição! Se achas que deves fazer algo, faz… porque depois cada um está preocupado a tratar das suas próprias coisas e ficas pendurado… no estendal!

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A praia em Los Andaluses

O arco branco de tijoleira e o néon indicava “Les Andaluses” e indicavam também que o nosso tormento tinha terminado. Este resort de muito boa qualidade virado ao mar e com uma praia semi privada, bem vigiado e protegido recebeu-nos para a nossa primeira noite em terras da Argélia. Jantar pimpão, quartos limpos qb, e pequeno almoço à descrição deram-nos o boost necessário para o nosso primeiro dia de expedição. Destino Ghardaia e o Vale do Mzab… mas isso fica para a próxima que não vos quero aborrecer mais!

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Viagem ao Centro da Terra

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Comprou um Sports Utility Vehicle (SUV)! E agora?? Já tinha ouvido falar das capacidades off-road destes veículos, (o vendedor salientou-o bem), mas para já, sente que as vantagens de ter um SUV estão mais relacionadas com o facto de que nas voltinhas domingueiras a sogra, lá atrás, tem mais espaço para as pernas, e de que já pode subir aquele passeio quando deixa os miúdos na escola, do que com a ideia inicial de partir à descoberta, ter incursões por caminhos mais rudes, fazer umas escapadelas para fora da cidade e usufruir da natureza.

Mas!! Nós temos uma ideia! Esperamos vir a ter mais, mas para já temos uma ideia e que não vai desiludir! É tempo de marcar um fim de semana, pegar na máquina fotográfica e libertar o seu SUV pelas estradas menos trilhadas do interior do nosso país. Bem no centro de Portugal, no Concelho de Vila de Rei!

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Já anteriormente tínhamos andado por estas bandas. Por duas vezes com o nosso querido Mitsubishi Pajero, andámos a “vasculhar” os cantinhos mais recônditos da Ribeira de Isna, e da Sub-Região do Pinhal Sul Interior. Ambos os artigos suscitaram um grande interesse, inclusive a pessoas que não tendo um Todo o Terreno “puro e duro” me questionaram sobre a possibilidade de fazer estes tracks com um SUV.

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Artigos relacionados!

As Pontes Romanas da Ribeira de Isna

À Descoberta da Isna

Surgiu agora a possibilidade em parceria com a Revista Auto Mag e ao volante de um Opel Mokka X 4×2 (que agradou muito com os seus energéticos 136 cv), de criar um roadbook e subsequente track, criados especificamente para estes veículos.

Deixo aqui o link do track.

Vila de Rei em SUV

Por questões editoriais não publico o roadbook, pois é parte integrante do nº 43 da Revista Auto Mag. No entanto caso esteja interessado, posteriormente sugiro que que contacte por email.

Capa #43 Isna

Vamos então??!!

Esta aventura de dia inteiro começa no centro da vila de Ferreira do Zêzere mesmo em frente à Igreja de S. Miguel.

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Saindo da Vila pela N348, ainda antes de entrar no Concelho de Vila de Rei, tem logo dois pontos de interesse que vai querer visitar. O Mirador da Cruz Alta (com parque de merendas).

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Acesso ao Mirador da Cruz Alta 

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Mirador da Cruz Alta

Miradouro do Castro onde pode observar em primeiro plano a fronteira natural que separa os dois concelhos. O Rio Zêzere, principal afluente do Tejo e que, como consequência da barragem de Castelo de Bode apresenta aqui um generoso caudal.

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Vista do Mirador do Castro para o concelho de Vila de Rei

Passada a ponte na N348 sobre o Rio Zêzere e já no Concelho de Vila de Rei, vale a pena despertar os sentidos. É no suave bailado das curvas da “estrada panorâmica” que as margens do rio vão sendo reveladas (vai querer parar para tirar aquela foto). Tem como opção visitar as duas Praias Fluviais no Rio Zêzere (Zaboeira e Fernandaires), antes de rumarmos a “ESTE” para acompanharmos a Ribeira de Isna até ao limite do Concelho com as suas pontes de inspiração romana e as suas Praias Fluviais.

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Passagem pela Ponte de Palhais

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Um simpático Beirão com quem nos cruzámos e que queria à viva força que fossemos à sua casa comer e beber “qualquer coisita”.

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Serra dentro o Mokka portou-se que nem um herói, mesmo em algumas (poucas) situações de cruzamento de eixos e apesar da sua tracção dianteira, bastou desligar o controle de tracção, que facilmente se “desenvencilhou”.

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Ponte da Cova do Moinho

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Barragem de Isna

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Ponte da Tamolha

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Almoço no Restaurante Eléctrico

O Restaurante Eléctrico é um daqueles encontros improváveis. Uma mistura de Street Art com ruralidade, de um espaço amplo mas que é simultaneamente acolhedor. Ao entrarmos fomos recebidos pela proprietária que gentilmente nos conduziu a uma mesa. Pouco mais! Dali em diante é cada um por si, buffet generoso, especialmente o cozido à portuguesa, bebidas free refill, sobremesas caseiras e até o café para finalizar a refeição tem que ser tirado por nós. O ambiente é festivo e descontraído, (até tivemos direito a uma desgarrada ao acordeão na nossa mesa).

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Antes de se fazer à estrada, vale a pena passear pelo perímetro do Restaurante e ver as muitas peças de arte criadas pelo proprietário, o Sr. Aniceto. Artista que pega em lixo e o transforma em peças de arte. Surpreendente!

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Praia Fluvial de Bostelim

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Para informação futura, é possível pernoitar no Campismo Rural de Bostelim, estavam lá duas auto-caravanas!

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Praia Fluvial de Marmeleiro

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O percurso de cerca de 4kms entre a Praia do Marmeleiro e a Ponte dos 3 Concelhos, sofreu melhorias substanciais. 

A Ponte dos 3 Concelhos tem a particularidade de ser o ponto convergente dos concelhos de Vila de Rei, Sertã e Mação. Julga-se que terá sido construida entre os Sec. I e IV e reconstruida entre os Séc. XIII e XIV. Esta Ponte fazia parte de uma antiga Via Romana que ligava Mérida a Conimbriga.

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Ponte dos 3 Concelhos

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Praia Fluvial Pego das Cancelas

A partir deste ponto todo o trajecto remanescente é feito em alcatrão. Há ainda tempo para dar uma saltada à Praia fluvial de Cardigos (já no Concelho de Mação). Na Povoação de Cardigos existe uma 2ª opção para almoçar, no Restaurante o Solar do Moinho.

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Praia Fluvial de Cardigos

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Saindo de Cardigos, voltamos a entrar no Concelho de Vilar de Rei e dirigi-mo-nos para a Serra da Melriça, mais precisamente, para o Picoto. Local onde se encontra o Museu das Geodésias e o marco com cerca de 20 mts de altura que identifica o Centro Geodésico de Portugal Continental a nivel de coordenadas geodésicas. Esta foi uma das primeiras pirâmides geodésicas a ser construida no pais (1802).

Chegada ao Centro da terra!

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Depois… bem depois, é ficar assim, com um agasalho mais quente, deixar-se ficar! Deixar que as paisagens do dia passem em revista, os cheiros, o cantar suave da ribeira na cascata da Cova do Moinho, o azul e o verde e o azul misturados em mil tonalidades. E aguardar… Aguardar pelo render do Astro Maior, depois da sua jornada, altaneiro,  cruzando os céus, observando toda a nossa actividade, e juntamente com ele render-mo-nos nós também ao nosso refugio. Este foi um dia que valeu a pena ser vivido!

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Vamos a Zamora

Foi em Novembro de 2018 que aceitámos o repto lançado pela Land Lousã de nos embrenharmos pelo interior do nosso país, darmos o “salto”, para irmos até Zamora. Não para celebrarmos os 875 do tratado ali celebrado … Tratado de Zamora , mas para irmos comprar uns caramelos 🙂

Perante uma missão com tão banal objectivo, não restava a estes trinta e tal aventureiros outra opção, senão deliciarem-se com a condução por algumas das mais belas paisagens e desfrutarem do excelente espírito de amizade e camaradagem ao longo destes 4 dias. Desde a primeira hora que o ambiente era de uma verdadeira família. Sabem aqueles amigos do facebook que nunca tiveram a oportunidade de olhar nos olhos?? Eu penso que precisei pelo menos das duas mãos para contar os que encontrei, e foi uma alegria!!!

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Claro que alguém teve trabalho, muito, para tornar possível este passeio tão espectacular! Deixo aqui a nota de agradecimento ao “mestre” Parola Gonçalves e à Land Lousã, por todo o empenho e dedicação. Sempre ouvi que se queremos evoluir, devemos aprender com os melhores. Parola Gonçalves e a Land Lousã têm sido de à uns anos a esta parte, os nossos “mentores” em muitas áreas, sem que possivelmente tenham consciência disso. Cabe-me retribuir!! Um grande Bem Haja!

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The Man

Mas vamos à “Cena” !

Esta travessia de quase 500 kms, foi feita em três etapas, e teve um pouco de tudo, vales, montanhas, praias fluviais, planícies, passagens a vau…e muito, muito mais!

As etapas!

1. Lousã – Nabainhos

2. Nabainhos – Ciudad Rodrigo

3. Ciudad Rodrigo – Zamora

Para terem melhor a percepção deixo aqui o link do track, com muita informação útil. Zonas de maior dificuldade, sítios para pernoita, monumentos a visitar, etc.

Track Lousã – Zamora

A maioria do percurso é de dificuldade baixa, existindo algumas poucas situações que requerem um pouco mais de cuidado, mas nada que um qualquer jipe com as características de origem não consiga transpor.

Este é o passeio ideal para a família com um grupo de amigos. O prazer de poder cruzar as Serras do Açor e da Estrela, passar a fronteira de forma inusitada, conhecer a bela Ciudad Rodrigo e ver como é belo o Rio Duero na sua passagem por Zamora.

 

Do que é que estão à espera?? Óptima sugestão para 2019!!!

Deixo pois algumas das imagens que nos ficaram na retina!

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Partilhamos por prazer, mas também o procuramos fazer deixando as pistas necessárias, para que todos aqueles que independentemente de terem mais ou menos experiência, possam ter a informação necessária de forma a experimentarem por si as alegrias do TT Turístico.

Este é mais um desafio que vos deixamos para o ano que agora começa.

Por isso no final de um ano repleto de aventuras cabe-me agradecer o vosso input, sempre importante para nós! As vossas partilhas, os comentários, as perguntas, o encorajamento de uma forma geral! Um grande Bem Haja!

Partilhem, comentem, subscrevam, incomodem-nos com as vossas perguntas!

Acreditamos que há uma forma diferente de descobrir as belezas da natureza em respeito e harmonia com a mesma, e esse é o desafio que deixamos a todos.

 

 

Feliz 2019

Ricardo Santos

Na Senda do Urso Cantábrico

Muitas das nossas memórias estão ligadas ao tempo em que enquanto crianças brincávamos na rua.

Quem nunca? Na malandrice própria da infância e contrariando todas as advertências dos adultos, saltou a pés juntos para dentro de uma qualquer poça de água enquanto ria a bandeiras despregadas?

Gosto de pensar que apesar dos meus 48 anos guardo em mim uma razoável dose de ingenuidade que me leva a relegar para segundo plano potenciais catástrofes e perigos e uma grande dose de genuinidade que me leva a buscar experiências ligadas, à natureza, à terra, aos elementos mais básicos da nossas existência.

O que me leva a gostar tanto de viajar é a formula que une estes dois elementos..

Genuinidade+Ingenuidade=Felicidade

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A Senda del Oso, trouxe-me à memoria dias intensos de felicidade da minha infância.

A meteorologia desaconselhava vivamente qualquer passeio de bicicleta. Desde que acordáramos que a chuva não tinha parado de cair. A caminho de Entrago, onde começa este trilho, tinha inclusive nevado, pelo que fazer 20 kms de bicicleta quando não sabia se o piso era em terra ou alcatrão, não parecia um bom plano. Mas… o menino em mim achou que sim, e achou muito bem!

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Mas o que é a Senda del Oso?

É um trilho de bicicleta com sensivelmente 20 kms de comprimento, construído sobre uma antiga linha férrea mineira e recuperado como um caminho verde. Ao percorre-lo, somos surpreendidos pela passagem por diversos túneis e pontes e permite-nos observar a grande diversidade da flora local. Este trilho foi construído sobre pedra calcária, com mais de trezentos milhões de anos. 

Sempre a acompanhar o vale que o rio Teverga foi lavrando ao longo dos séculos no maciço calcário, este é um trilho muito fácil, praticamente sempre a descer pelo que todas as pessoas, mesmo aquelas que não têm muita experiência de bicicleta o conseguem percorrer sem qualquer dificuldade.

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O desfiladeiro de Penãsjuntas

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Pela ausência de ruído, ou de um motor a martelar, o silêncio reina. Paramos, e com os olhos fitos no infinito, ficamos assim a escutar toda aquela imensidão… pum, pum, pum… nos nossos tímpanos podemos sentir o bater compassado do nosso ritmo cardíaco, em parte pelo esforço de pedalar, em parte pela emoção de estarmos ali isolados e simultaneamente em perfeita harmonia com tudo o que nos rodeia.

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A cada pedalada, e talvez porque não nos tivéssemos cruzado com mais ninguém, ao percorrer estes vales e prados envoltos pela neblina e chuva que não cessava de cair, invadia-nos a sensação de que tínhamos viajado para muito longe… talvez no tempo, para um tempo longínquo, para uma era jurassica… a natureza revelava-se no seu estado tranquilo e selvagem.

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Se todo o percurso é fantástico pela deslumbrante vegetação e pela emoção sempre que cruzamos um dos muitos túneis e pontes, é em Proaza que temos uma verdadeira surpresa, pois ali encontramos a Fundação do Urso das Astúrias, onde podemos observar  a Ursa Molina e os Ursos Paca, Tola e Furaco.

Paca e Tola foram recuperados em 1989 pela FUA após a sua mãe ter sido morta por um caçador furtivo e desde 1996 que vivem nestas instalações, pois nunca mais se adaptaram a vida selvagem. Ambos se tornaram um símbolo da luta pela preservação do Urso Cantábrico e dos objectivos pelos quais a Fundação do Urso das Astúrias se rege.

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Paca

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De Proaza a Villanueva é um pulinho. Ali chegados foi tempo de nos refrescarmos no fontanário que fica mesmo ao lado da ponte medieval e aguardar que a nossa boleia chegasse. Sim, a nossa boleia…. porque com aquela chuvinha fazer mais 20 kms em sentido contrario não nos apetecia mesmo nada!

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Ao terminarmos, as tais memórias de infância assaltam-nos. O frenesim em cada pedalada, os salpicos de água no rosto, a roupa molhada… o sorriso espelhado no rosto é de felicidade e liberdade. Vale a pena ser criança novamente. Crescer com o passar dos anos é inevitável, envelhecer é opcional!

Dicas Importantes!

  • Sendo possível fazer o trilho em sentido contrário a partir de Tunon, pareceu-nos ser a melhor opção fazê-lo a partir de Entrago. Devido ao sentido ascendente do vale, fazer o trilho em sentido contrario representava andar sempre a subir.
  • Não é necessário levar bicicleta. Existem vários operadores turísticos que as alugam e que no fim do trilho fazem a recolha das mesmas e transportam as pessoas de volta ao inicio do trilho.
  • Recomendamos o operador TeverAstur.
    • Super simpáticos no atendimento.
    • Bom parque de estacionamento vigiado
    • Grande diversidade de bicicletas para alugar, incluindo “tandem” para transporte de criança.
    • Caso levem a vossa própria bicicleta (como foi o nosso caso) existe uma tarifa especifica, para nos transportarem e às nossas bicicletas de volta ao parque de estacionamento, e ainda nos permitiram usar as suas instalações para lavarmos as mesmas.

Somiedo, Terra de Ursos, Sidra e Felicidade

O que inicialmente nos levou ao Parque Natural de Somiedo, não foi mais do que a curiosidade com que fiquei quando descobri que este é o último reduto de Ursos Pardos em estado selvagem na Península Ibérica. A simples ideia de aqui tão perto poder ter a oportunidade, nem que fosse por breves momentos, de vislumbrar um destes animais no seu habitat natural, fez voar a minha imaginação e o Pajero, no meu desejo de conhecer tão fantástico lugar.

Tal não veio a acontecer… se bem que em todo o tempo os meus sentidos se mantiveram em alerta máximo. Sempre que ouvia um qualquer ruído vindo dos arbustos ou perscrutava um qualquer movimento no meio das montanhas, o meu coração batia mais forte e renascia a esperança de que tal fosse possível.

No entanto, em cada aspecto da nossa visita a este Parque Natural, foi possível sentir a omnipresença do Urso Cantábrico e da forma como a sua existência se cruzou ao longo dos anos com a dos habitantes destas montanhas mágicas.

Mas muito mais para ver e sentir, o PN de Somiedo reserva para aqueles que por lá se aventuram.

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Um sinal de alerta novo para nós… Ursos a atravessarem a estrada 🙂

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O mais perto que chegámos de um Urso… pelo menos que saibamos!

Situando-se a sensivelmente 80 kms\ sw de Oviedo nas Astúrias o PN de Somiedo, (que completou no dia 4 de Julho deste ano 30 anos, desde que recebeu a declaração de Parque Natural e Reserva da Bioesfera), é um conjunto montanhoso no encadeamento da Cordilheira Cantábrica. É peculiar pela sua pronunciada diferença altimétrica num território relativamente pequeno, que vai desde os 2194 m no pico El Cornón até aos 400m em Aguasmestas, e por uma vegetação exuberante devido aos altos índices de pluviosidade.

Mas vamos por partes…

Como chegar.

Para localizar melhor aqueles que não têm ideia onde fica, deixo aqui o link do track por onde andámos e como aceder ao PN vindo de Oviedo. Para os amigos do Todo o Terreno, sei que vos vou decepcionar, mas as nossas deambulações limitaram-se ao alcatrão. Confesso.. não estava preparado para explorações mais pelo interior e além do mais, sendo um Parque Natural e Reserva da Biosfera, por diversas vezes nos deparámos com o sinal de proibição a veículos que não estivessem autorizados e por opção não arriscámos!

Assim sendo cá fica para terem uma ideia de onde ir! Track PN Somiedo 

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Onde Ficar.

Devido à sua localização a vila de Pola de Somiedo é o melhor local para assentar arraiais, pela sua centralidade, pela sua beleza, assim como pela oferta de alojamento e restaurantes ali existentes.

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(Dica: É em Pola de Somiedo que se situa o Ecomuseu de Somiedo, onde podemos ter uma ideia mais clara, dos elementos etnográficos que formam e sustêm a cultura rural desta região. Também é possível visitar Centro de Interpretação do PN onde são salientados os valores naturais de Somiedo. Ambos são paragem obrigatória para uma melhor interpretação da vivência das gentes destas terras em tempos idos, e da sua interacção com o meio envolvente. Já para não falar na compra obrigatória de uma “pegatina” para  colar no “coche”!!)

No nosso caso em formato de “caracoleta” optámos pelo Camping La Pomarada de Somiedo.

Link Camping La Pomarada

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Um Parque de Campismo só para nós! Um luxo.

Com excelentes condições, gostaria de salientar a grande simpatia dos proprietários, que desde logo se disponibilizaram com sugestões, mapa e informações relevantes para conhecermos melhor o Parque. O “check In” ao parque faz-se na recepção do Hotel Castillo del Alba (o qual  também me pareceu uma excelente opção para os que optem por não acampar).

Existindo diversas opções no Booking.com gostaria de destacar;

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Sabia que existe uma forma de nos poder ajudar sem qualquer custo adicional e tornar este blogue mais sustentável?

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Onde Comer:

Restaurante El Meirel. O que nos levou a este restaurante foi o burburinho que um grupo de pessoas estava a fazer à sua porta, pois julgavam ter visto um Urso na montanha em frente ao restaurante. Cheios de esperança, ficámos também nós a olhar com toda a atenção e pelo zoom da maquina fotográfica,  por tal possível visão… mas 😦 falso alarme. E já que ali estávamos… espreitei para dentro do restaurante… e gostei logo do que vi. Principalmente a decoração, toda ela com elementos alusivos à história de Pola e ao incontornável Urso Cantábrico. Revelou-se uma excelente decisão. Não somente fomos presenteados com uma excelente refeição de pratos característicos desta região, (Chorizo à la Sidra e umas Croquetas de entrada e como pratos principais uns Escalopines al Cabrales e uma Chuleta de Ternera, acompanhados com uma Sidra que tem a particularidade de ser refrescada na ribeira adjacente ao restaurante!! Divino!!) como o Sr. Juan se revelou um óptimo anfitrião, pois ao descobrir que éramos portugueses e ao perceber a minha curiosidade pelas inúmeras fotografias alusivas à caça do Urso (noutros tempos) que decoravam as paredes, se prontificou a partilhar um pouco da historia e a tradição da Pola.

O que não vai querer perder no PN de Somiedo:

A Estrada AS-227 – Vindos de Norte, o acesso ao PN de Somiedo faz-se pela AS-227 e passando Aguasmestras toda a estrada até Pola é um deleite para os sentidos. Sempre a acompanhar o Rio Somiedo à distância de um olhar, à medida que vamos avançando, os abundantes campos de pasto vão gradualmente dando lugar ao surgimento dos primeiros penhascos e gargantas. Estes de tão íngremes que são, fazem com que nos sintamos pequeníssimos sentados nos banquitos do nosso carro. É preciso reclinar-mo-nos sobre o tabliet para tentar vislumbrar o topo dos penhascos sem que isso seja possível.

  • Ponto de paragem Obrigatória. La Riera. Pequena aldeia que não tendo muito para contar, revela-nos pela sua arquitectura o rigor dos Invernos em Somiedo. Estamos em Maio e das pequenas chaminés, o fumo que sai mistura-se com a neblina que se faz sentir, criando toda uma atmosfera de mistério e silêncio. Paramos, desligo o motor, saímos do carro com a cabeça ainda meio tonta pelos muitos kms ao som do rugido da nossa FragoneTTe, e ficamos assim em silêncio na ponte sobre o Rio Somiedo. O Rio corre sereno sob a ponte, as gotículas de humidade vão-se acumulando sobre as nossas cabeças e aquela paz invade-nos, penetra em cada poro da nossa pele, e sentimos o stress e cansaço a abandonar-nos, da mesma forma que pelo crepitar da lenha o fumo vai subindo das chaminés, se dissolve e desaparece no ar. É por “clicks” assim que viajar é o melhor remédio.

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  • Ponto de paragem Obrigatória. Central de La Malva. Aqui onde o Rio Somedo é interrompido por uma pequena barragem (explorada pela EDP), existe um parque de merendas. Se não estiver a chover vale bem a pena a paragem, para retemperar forças, comer uma bucha e observar as águas azul turquesa que se precipitam rio abaixo ao passarem sob os nossos pés.

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Pola de Somiedo – É aqui que se concentra a maior parte do comércio tradicional e os centros de apoio ao visitante. É possível visitar a Sidreria Parrilla Caríon, a Igreja de San Pedro, ver os seus milheirais, e vaguear  sem rumo por este ninho urbanístico, rodeado a toda a sua volta pelos  imponentes picos e floresta.

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Visita aos Lagos – Existem diversas trilhas com diferentes níveis de dificuldade de acesso aos inúmeros lagos na parte superior do PN. No nosso caso e como estava a nevar com alguma regularidade, fomos aconselhados a ir de carro até ao Alto La Farrapona. Aí teríamos que fazer um trajecto de pouco mais de meia hora para chegarmos a um dos lagos. Deixo aqui um link onde é possível descarregar o mapa do Parque com a indicação dos diversos trilhos para caminhadas. Sendo que a melhor altura para os percorrer é mais perto do verão. Ah!! e é mesmo que esteja muito calor, banho nos lagos não é permitido 😦

Trilhos de Caminhada PN de Somedo

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Vista a uma BRAÑA – Que não são mais do que casas rústicas de pedra com um telhado feito de  vegetação para guardar o gado nos pastos mais altos durante a estação fria, mas que são características de Somiedo e fazem parte do seu património arquitectónico.

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Alto de La Farrapona – Aqui começam as Astúrias. E teria sido a nossa porta de saída não fosse a neve que se acumulava acima dos 1500mts e que cobria na totalidade a estrada. Ainda assim dos seus 1708mts de altitude a paisagem é de perder de vista.

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A Senda del Oso – Mas isso por si só já é matéria para outro artigo…. deixo um pequeno aperitivo.

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e quanto ao mais… kms e kms de paisagens em que apetece parar a cada curva para gravar em memoria fotográfica a beleza deste lugar.

Talvez porque não tivesse reunido muita informação prévia, o elemento surpresa tenha feito com que a beleza rara e rude deste lugar nos tenha marcado profundamente, fazendo com que os três dias que ali passámos tenham sido demasiado breves para poder absorver toda a energia e magia deste lugar. Por isso mesmo exige-se um regresso, só não sei quando.

Quem sabe, talvez lá regressemos mais rápido do que imaginamos!

Através das vossas fotografias… ficamos à espera!

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Comente, partilhe, dê-nos o seu feedback. Queremos ouvir de si.

Para qualquer duvida, não hesite. ricardo.leocadia@gmail.com

Um grande Bem Haja

PICOS DA EUROPA 04, SENDA DEL CARES E COVADONGA

… na senda deste nosso último dia a acompanhar a Senda do Rio Cares, depois de temos feito a parte final do mesmo track com inicio em Poncebos ver  Artigo 03 Rota de Cares e de forma a iniciarmos o track na outra extremidade implicava percorrermos todo o caminho no sentido inverso até Potes, daí seguir em direcção a a Riano pela EN 621 até Portilla de La Reina (contornando o PN por Sul), virar à direita, apanhar a LE- 2703 e seguirmos na direcção de Posada de Valdeon e subsequentemente Cain.

Ao contrario de outras vezes deixo para o fim a partilha do track…

Picos da Europa 1ª parte 

Picos da Europa 2ª parte

O video desta segunda parte

In the neddles eye, ou como se diz em português: “onde Judas perdeu as botas” fica Cain. Uma aldeia perdida nas montanhas à qual acedemos por uma minúscula estrada sem saída, e onde tem inicio a Senda del Rio Cares. Vale totalmente cada km feito nos dois sentidos e de igual forma vale a caminhada pelo estreito trilho, que através de túneis e pontes acompanha a vivacidade com que o Rio Cares vai paulatinamente esculpindo o maior vale que atravessa os Picos da Europa.

Deixo pois em ordem cronológica o registo fotográfico deste ultimo trajecto por nós realizado nos Picos da Europa.

Como já anteriormente relatei o caminho em sentido inverso (Riano/Potes) coloco apenas as fotos que nos levariam em primeiro lugar até Cain e posteriormente até Covadonga.

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Mirador del Corzo – Puerto de San Glório

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Portilla de La Reina (onde deixamos a N-621 para apanharmos a LE -2703 no sentido de Cain)

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LE-2703

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Mirador de Pandetrave

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Lembram-se do trilho com inicio em Fuente Dé e que poupava uma data de kms??? é aqui que vem dar…. intransitável!

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A chuva que caía em Poncebos dissipara-se dando lugar a um lindo dia de Sol… mas como tudo na vida também esta circunstância iria mudar!

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Santa Marina de Valdéon

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Mirador del Tombo

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Rio Cares em Cain

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Percorrida parte da Rota de Cares era tempo de nos dirigirmos a Cangas de Onis e a Covadonda. Para tal percorremos em sentido inverso a estrada desde Cain até Posada de Valdeon e aí apanharmos a estrada LE-2711 em direcção a Cangas.

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Mirador de Valdéon

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Sensivelmente 500mts antes de Puerto de Ponton virar à direita pela N-625 no sentido de Cangas

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O lindíssimo Vale do Rio Sella em San Ignacio que nos transporta para um qualquer tempo Jurássico.

E aqui os planos sofreram uma ligeira alteração…. pelo adiantado da hora e em virtude do muito tempo perdido à procura do parque de campismo de Cangas de Onís (que estava fechado), decidimos não visitar a cidade e seguir directamente para Covadonga.

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No silêncio da quase ausência de turistas e pela envolvência da natureza em estado bruto, semi oculta pela neblina, a Basílica de N. Senhora de Covadonga, apresentou-se-nos com toda uma outra aura de misticismo e reverência como que saída de qualquer película fantástica. É neste imponente monumento que repousam os restos mortais de Pelayo, considerado o 1º Rey de Espana.

Pelayo foi aclamado Rei e fundou o Reino das Astúrias embrião dos outros reinos cristãos ibéricos responsáveis pela reconquista da península. Pelágio então instalou sua corte em Cangas de Onís. O Reino das Astúrias foi a primeira região da Península Ibérica que se libertou do domínio dos mouros quando da invasão por estes da Península Ibérica.

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“… no monte Auseva renasceu a Espanha de Cristo com a grande vitória de Pelayo…”

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O significado de «Covadonga», procede de «Cova de onnica» e significa o rio da cova. O sufixo onnica deriva do Céltico onna (“rio”).

É no Monte Auseva, mesmo em frente ao Mosteiro que se pode ver esta “Cova” onde se encontra o principal lugar de peregrinação Católico de Espanha.

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Entendendo eu, que na Península dos Ibéricos a História é uma amalgama de interesses e conquistas, avanços e retrocessos mais ou menos sempre envoltos por fábulas religiosas, deixo este local com um sentido de reverência, não tanto pelo local de culto, mas antes pelo sentido de génese da minha identidade (pós-Celta e Pré Condado Portucalense) e da determinação de um Nobre Visigodo a quem se pode atribuir a “culpa” de uma certa identidade colectiva Ibérica que de facto abraça os nossos dois países “hermanos”. Sendo Português dos 5 costados, não deixo de ser um Ibérico… e isto é algo em que nunca tinha pensado!

Talvez por estas minhas cogitações pouco católicas, a divindade se tenha decidido vingar um pouco 🙂 e a nossa visita aquele que é considerado um dos pontos mais belos dos Picos da Europa, Os Lagos de Covadonga, foi completamente decepcionante… para além do GPS descobri que estava nas margens dos Lagos pela singela placa que indicava “Lago Enol”…

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Bonito Henm??

E é com esta nota positiva que concluo o relato da nossa viagem aos Picos da Europa!

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FIM