…continuação…
Com a nossa expedição a entrar em contagem decrescente havia ainda um ex libris por descobrir. Os espectaculares planaltos de Brezina.
O caminho mais curto para o nosso regresso seria directo a Béchar junto à fronteira com Marrocos e depois Orão. Mas, mais a Este havia uma zona que ficava relativamente perto e que não podíamos deixar de visitar… Brezina e os seus planaltos! Para lá chegar teríamos que fazer um desvio pela RN6B que segundo a informação de que dispúnhamos era uma estrada fortemente militarizada. Mas pela beleza do local valia bem o esforço de pelo menos tentarmos lá chegar. Assim, saímos de Taghit com a perspectiva de realizarmos 475 kms até Brezina , ver os planaltos, pernoitar e no dia seguinte encaminhar-mo-nos para Orão. Só que este viria a tornar-se o dia do “papa quilómetros”.
A Ver Se Vemos…
Saímos de Taghit perto das 7h da manhã pela RN6B (uma espécie de circular que contorna o limite das dunas sempre em paralelo com o Oued Zouzfane). Ao quilometro 90 chegámos a um entroncamento e depará-mo-nos com uma base militar fortemente armada. De forma muito calma e ordeira encostámos à berma e uma pequena delegação foi “conferenciar” com os militares a possibilidade de seguirmos para o nosso destino… passada meia hora, sem que realmente percebêssemos o que se estava a passar, ouvimos o –“go! go! go!” tínhamos o “ok” para avançar. Entrámos nos carros e passámos o bloqueio na estrada.
Sem forma de comunicar entre nós, havia um clima de suspense dentro dos carros, parecia estar tudo bem, até que… ao fim de 16 kms, do nada, vemos o jipe dos militares que ia a abrir a coluna fazer inversão do sentido de marcha e a mandar toda a gente fazer o mesmo… Surpreendente e inquietante. Naquele imenso nada onde nos encontrávamos, a única opção válida era obedecer e fazer novamente os 16 kms em sentido contrário. Quando chegámos ao entroncamento onde estava a base militar, nem parámos, pois os militares na estrada davam ordens para seguir para Béchar… e eu cá para mim… “pronto Brézina já era…” a explicação foi que este corredor de cerca de 30 kms até à fronteira com Marrocos é uma zona “perigosa” e que estavam apenas a zelar pela nossa segurança… bem, na minha opinião é muito discutível, ainda mais que quando prosseguimos pela RN6, passámos por Beni Ounif que não fica a mais de 7 kms de Figuig em Marrocos.
Com as constantes mudanças de escolta e os tempos de espera, com o novo desvio que implicava um acréscimo de mais 150 kms, as opiniões dividiam-se acerca do interesse de ir ou não a Brezina. Pessoalmente, pelo que tinha visto estava convencido de que sim devíamos ir, mas nem toda a gente partilhava dessa opinião. Pára tudo! Mapa em cima do capot e vamos a decidir!
Foi decidido que apesar do contratempo inicial, mantínhamos o objectivo de ir a Brezina… e eu a fazer as contas às horas… disfarçadamente, dava pulos de contente pois pelas minhas contas íamos chegar à hora mágica para as fotos. O pôr do sol! Eu e o meu optimismo…
Repita lá isso outra vez??
Com a lua cheia era possível vislumbrar as silhuetas dos planaltos, mas parar estava fora de questão. O sol já à muito que se tinha posto e acabámos por chegar à vila de Brézina já noite cerrada. A escolta levou-nos até à esquadra da polícia, um beco minúsculo e sujo onde nem cabiam os carros todos, para saber onde poderíamos pernoitar. Surpresa!!! Não nos deram autorização! Era impossível ficarmos ali!! Mesmo com o descontentamento de todo o grupo, não tivemos opção senão fazer mais 90 kms para trás até El Abiodh Sidi Cheikh. E assim os planeados 475 kms acabaram por se converter em quase 700 kms.
El Abiodh Sidi Cheikh é uma cidade sujíssima, com as ruas principais num misto de lama e águas fétidas, o ninho para passarmos a noite era uma vez mais uma espécie de quintal mal amanhado, muito sujo e trancado com um imenso portão de ferro. O cansaço era tanto que comemos, o que havia à mão, de lanterna espetada na testa (umas latas de conserva sobreviventes) e cama. Eu!?.. Bem eu estava mesmo irritado a pensar com os meus botões… “Brézina já era, ninguém vai querer fazer novamente estes 90 e tal kms só para ir ver uns montes de terra.”
Brezina – Les Châteaux de Sable
Uma noite de sono faz milagres e o desejo de uns poucos realizou-se. No fim todos ficaram contentes.
Desenfiá-mo-nos da forma que pudémos do transito de Abiodh Sidi Cheikh que serpenteava por entre um misto de lama, obras inacabadas e poças de água e arrancámos em acelerado pela língua de alcatrão roubada ao deserto rochoso.
Pela terceira vez devorávamos aqueles 90 km que nos separavam de Brezina, mas a luz do dia revelava agora toda aquela beleza de paisagem lunar, plana, sempre plana! Até que na linha do horizonte começaram a surgir aqueles planaltos imenso uns verdadeiros “châteaux de sable”, que com o ondular do calor reflectido no alcatrão, mais pareciam castelos fantasmagóricos de outra dimensão.
E… finalmente o alcatrão dá lugar à terra e ficamos frente a frente com estes imensos gigantes de areia! Pessoalmente e falo apenas por mim, parecia mentira.
Ainda em Portugal não tinha visto mais do que meia dúzia de fotos no Google Earth deste lugar, mesmo pesquisando no site Argelino do Turismo, a informação era praticamente nula… Mas agora era real, estava mesmo diante de nós.
Depois de todas as peripécias pelas quais passámos para aqui chegar e do cansaço de já estarmos em viagem à tantos dias, conseguirmos chegar a este sítio era algo inacreditável. Era como que o revelar de um lugar místico, inexistente, e que no fim se veio a revelar verdadeiro.
Eu estava eufórico!!! Tirava fotos sentado na janela do carro, saltei do jipe para fotografar tudo o que podia, o Leonel estava sempre a chamar-me pois já o grupo quase tinha desaparecido (este homem teve muitaaaaaa paciência comigo e com as minhas fotos… lollll !!Um grande Bem Haja a ele). Que homem feliz sou quando viajo e contemplo o mundo pela lente da minha Pentax!!!!!!
Não há muita informação disponível sobre estas inacreditáveis formações geológicas, estes arenitos com mais de 70 metros de altura completamente planos no topo. Isolados e destacados na árida planície são como que erupções que surgiram do nada. Não é fácil, mas é compensador o esforço de escalar até ao topo de um destes gigantes.
A 360º tudo o que vemos é uma imensa planície a perder de vista, salpicada aqui e ali por estes gigantes que isoladamente permanecem como um testemunho dos tempos idos. Quem sabe? Num passado distante a vasta planície seria um imenso mar e os planaltos ilhas? Não sei, mas ali sozinho, com aquela brisa suave e quente a ver os pequenitos carros láaa em baixo deixei a minha imaginação voar, senhor da minha ilha deserta.
Foi com um misto de emoção e euforia que vimos estes serenos gigantes ficarem cada vez mais pequenos nos retrovisores à medida que nos afastávamos. Que sitio incrível, dou por mim a pensar quantos mais sítios como este existirão perdidos por aí pelo mundo… tanto mundo por descobrir, tão pouco tempo e dinheiro. Bem, foca-te Ricardo! Apontamos à língua de alcatrão que desemboca em Orão, que pela frente ainda temos mais de 400 quilómetros.
Orão, ou Wahra, O Leão do Mediterrâneo
O derradeiro dia desta viagem foi passado na cosmopolita cidade de Orão. Depois de quase 500 kms e uma noite bem passada no resort “Los Andaluzes” o dia agora era de turismo puro. A deslocação até à cidade foi feita de autocarro ao ritmo do primeiro dia, com os batedores de mota a fazerem verdadeiras acrobacias por entre o trânsito e a acabarem por perder o autocarro, tal era o entusiasmo!! Subimos até àquela que é possivelmente a imagem mais icónica da cidade, a Basílica de Santa Maria com os seus braços estendidos sobre a cidade. Interessante a dimensão e localização deste monumento católico construído em 1850.
Visitámos o forte de Santa Cruz construído em 1577 por “nuestros hermanos” (a Coroa espanhola dominou o porto de Orão por mais de 300 anos).
Visitámos ainda a mesquita de Moula Abdelkader, onde apanhei um valente um susto! Dentro de uma gruta que existe por baixo da mesquita, sem qualquer outra luz que não a do telemóvel, de repente um grupo de mulheres e crianças entrou em pânico tendo desatado aos gritos e a correr em todas as direcções. Ao tentar sair daquela confusão envolto em pó, sem me aperceber, entrei numa câmara da gruta onde estava um grupo de homens a entoar cânticos (tipo mantra). Quando se apercebem da minha presença, calam-se e olham todos na minha direcção, à luz pálida do meu telemóvel, não pareciam nada contentes… pelo que, ala môce que se faz tarde, nem tentei perceber o que se tinha passado. O caminho de regresso ao autocarro foi ligeiro, e pelo sim pelo não deixei-me por lá ficar.
Baixa da cidade, visita à Gare central de Orão, à Catedral que presentemente foi convertida em biblioteca, tempo para almoço e lá arranjei forma de me perder do resto do grupo tendo deambulado sozinho o resto da tarde por entre o simpático povo desta cidade.
Foi na praça 1º de Novembro que sentado, incógnito no meio das famílias que por ali saboreavam o final da tarde, que me despedi da Argélia. As mães e os pais brincavam com os seu filhos, adolescentes riam ruidosamente, rapazes tiravam aquela selfie, a vida corria com total naturalidade como em qualquer outra cidade do mundo.
Ali imerso naquela praça a fervilhar de vida, senti fortemente que o preconceito não é mais do que isso mesmo um “pré-conceito”! O que é desconhecido para mim, é familiar do outro. O desconhecido, provoca estranheza, insegurança, mas de facto só o é para mim. Quando ultrapasso a insegurança daquilo que me é diferente, encontro o mundo que é familiar para os outros, o desconhecido passa a ser conhecido e deixo de ser tão inseguro. Enquanto espécie apesar das nossas diferenças é muito mais o que nos une do que aquilo que nos separa. Só precisamos de o descobrir!
Para finalizar deixo a foto de grupo desta malta fixe e que gosta de se perder por outros azimutes. A todos um bem Haja.
E quanto a ti Argélia…
A la prochaine fois… Inshallah!